Qual é o contexto do motim no Hoffenheim vs Bayern, paralisado por faixas ofensivas da multidão

Uma cena incomum aconteceu na Bundesliga neste sábado. O jogo entre Hoffenheim e Bayern de Munique seguia com uma sonora goleada dos bávaros por 6 a 0, mas isso acabou em segundo plano. Faixas ofensivas da torcida do Bayern contra o dono do Hoffenheim, Dietmar Hopp, fizeram com que o jogo fosse paralisado duas vezes. E acabou em protesto dos jogadores dos dois times, em campo, tocando a bola sem propósito por 15 minutos, até que o tempo se esgotasse. No final, tanto jogadores quanto os dirigentes dos dois clubes, inclusive, estavam em campo, agradecendo o apoio da maior parte da torcida.

O jogo já estava 6 a 0 quando, aos 67 minutos (22 minutos do segundo tempo), os torcedores do Bayern levaram faixa de protesto contra Dietmar Hopp. As faixas dos torcedores do Bayern diziam algo como “Tudo como habitual – A DFB não mantém sua palavra e Hopp continua um filho da puta”. Como disse Gerd Wenzel no Twitter, insulto ou ofensa à honra e dignidade da pessoa em público é crime previsto em lei na Alemanha.

Gerd Wenzel (@Gerd Wenzel) 29 de fevereiro de 2020

O árbitro mandou o jogo parar e foi pedido que os torcedores baixassem as faixas com os dizeres ofensivos a Hopp. Havia uma orientação para que a arbitragem parasse o jogo caso se repetisse e que os jogadores do Hoffenheim deixassem o campo. Como poucas vezes se vê, o árbitro parou o jogo quando chegamos ao minuto 76 (31 do segundo tempo), porque as faixas foram novamente mostradas. O jogo foi interrompido e os times foram para o vestiário. Ou, ao menos, para o túnel.

Jogadores do Bayern foram até os torcedores, como como o técnico Hansi Flick. Alguns pareciam bastante nervosos, como David Alaba e o atacante Thomas Müller. Boa parte dos jogadores estava ali, reclamando com os próprios torcedores e pedindo que as faixas fossem retiradas. Nas tribunas, Karl-Heinz Rummenigge abraçou Dietmar Hopp, mostrando solidariedade.

Quando os jogadores voltaram a campo para a disputa dos minutos finais, não houve jogo. Os jogadores ficaram passando a bola um de lado para outro, de um time para outro, sem qualquer propósito, apenas para passar o tempo. Assim, tivemos 13 minutos de passes para os dois lados, com os jogadores conversando e palmas nas arquibancadas de boa parte da torcida do Hoffenheim. Nos minutos finais, os próprios jogadores também batiam palmas. Um protesto dos jogadores mostrando uma tolerância baixa para xingamentos como foram os dos torcedores do Bayern.

“A ideia [do protesto em campo] veio dos jogadores”, afirmou Rummenigge, em entrevista à Sky depois do jogo. “Eu estou profundamente envergonhado com esse caos e pedi desculpas a Dietmar Hopp”, continuou o dirigente, que disse que os responsáveis pela faixa sofrerão consequências. “Nós filmamos tudo e iremos fazer com que as pessoas paguem por isso”.

“Toda a Bundesliga, a DFL [liga alemã de futebol] e DFB [federação alemã de futebol] devem ficar juntas e agir contra esse caos. Esse foi o lado feio do Bayern de Munique. Não há desculpas para isso”, declarou ainda Rummenigge.

Há um sentimento de revolta nos torcedores porque a liga puniu os torcedores do Borussia Dortmund por protestos contra o dirigente. Depois, as coisas escalaram mais contra o Borussia Mönchengladbach, na última semana. Os ultras do Gladbach já tinham levado faixas ofendendo o dono do Hoffenheim. Tudo isso ainda fica mais à flor da pele porque tivemos um atentado da extrema direita na Alemanha, que fez com que os árbitros estivessem orientados a parar os jogos em caso de qualquer ofensa nas arquibancadas.

Os clubes da Alemanha se uniram em mensagens de tolerância e paz por causa do terrorismo. Assim, o cenário estava montado para agir contra possíveis manifestações ofensivas. Aconteceu de ser contra o bilionário dono do Hoffenheim. Considerando o histórico, era até previsível que houvesse protestos. Ainda que não se soubesse que ele seria pessoalmente xingado.

Com esse histórico, o árbitro foi orientado a parar o jogo em caso de ofensas ao dono do Hoffenheim. A torcida do Dortmund foi punida com proibição de estarem presentes em jogos contra o Hoffenheim por protestos feitos contra Hopp com ofensas pessoais. O Borussia Mönchengladbach deve ter sua torcida punida também pelas ofensas feitas na semana anterior – inclusive uma faixa com um alvo no nome de Hopp, considerada uma apologia à violência contra o dirigente. Desta vez, foi a torcida do Bayern que protestou, mas desta vez ainda mais veemente e mais ofensivo, xingando diretamente Hopp de “filho de puta”.

É evidente que as faixas era ofensivas ao dono e os protestos com esse tipo de dizeres não deveriam acontecer. É possível criticar sem que as coisas descambem para o pessoal, claro. E é preciso que as ofensas sejam coibidas, especialmente quando são preconceituosas, e não apenas quando são direcionadas aos dirigentes. Na Alemanha, aliás, os torcedores fazem protestos constantes e é justo dizer que a liga é bastante tolerante às críticas, mesmo quando são contra seus próprios dirigentes. Em tempos como os atuais, é importante saber separar o que são críticas e o que é ofensa.

No dia 4 de fevereiro, Jordan Torunarigha, do Hertha Berlim, foi ofendido por torcedores de forma racista no jogo contra o Schalke 04, pela Copa da Alemanha. Depois de receber um carrinho, ele caiu sobre o técnico do Schalke, David Wagner, pegou um copo que estava por ali e atirou no chão. Acabou sendo expulso por segundo cartão amarelo.

Como o ato não foi informado ao árbitro no momento que aconteceu, apenas ao final do jogo, não foi colocado em prática o protocolo da Fifa. A própria DFB admitiu que não houve tempo para adotar o protocolo porque a informação só chegou ao árbitro no final e que era preciso fazer mais do que isso. O Schalke foi punido em 50 mil euros e iniciou procedimentos para identificar quem cometeu o ato racista e puni-lo.

Há também o exemplo positivo da Alemanha, e que foi aplicado o protocolo. Um racista foi expulso do estádio depois de cometer o crime, com os fãs dizendo “Fora dos nazistas”. Foi no jogo entre Preussen M’nster e Wurzburger Kickers, para a terceira divisão do país. O árbitro seguiu o protocolo e o amador foi identificado e preso com as mãos na massa por seu ato. Um exemplo do que se deve fazer nesses casos.

Os protestos contra Dietmar Hopp são frequentes desde que ele comprou o Hoffenheim. Já falamos por aqui sobre Hopp, o homem mais odiado do futebol alemão. Os torcedores o acusam de driblar a regra do 50+1, que impede que investidores comerciais tenham mais de 49% das ações de um clube. Assim, o clube sempre tem a maior parte das ações para tomar decisões e, assim, os clubes alemães acreditam que é possível manter o foco no futebol, e não em focar no lucro. De certa forma, a acusação que se faz contra Hopp é simular àquela feita contra o Manchester City no Fair Play Financeiro da Uefa, por exemplo, mas em uma escala menor.

Assim como o RB Leipzig, que tem a Red Bull como grande empresa por trás, há um sentimento de rejeição ao Hoffenheim, que escalou rapidamente as divisões inferiores da Alemanha e chegou à Bundesliga graças aos investimentos contínuos de Hopp, que foi jogador do clube na base e é um torcedor fanático da equipe. Ele é dono da empresa SAP, empresa multimilionária de software.

É simbólico que vejamos um protesto tão veemente de jogadores e dirigentes e uma ação tão enérgica da arbitragem contra uma ofensa (grave, sim, é claro) contra Hopp, em tempos que vemos casos de racismo, homofobia e xenofobia acontecerem frequentemente na Europa. Esperamos que esse mesmo comportamento enérgico aconteça quando pessoas muito mais vulneráveis que Hopp forem os ofendidos, como um jogador negro, por exemplo. Há exemplos a se seguir no próprio país.

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