Imprensa da Nicarágua sofre perseguição e violência

O governo de Daniel Ortega forçou mais de 250 jornalistas ao exílio e fechou pelo menos 54 meios de comunicação. Profissionais da mídia independente relatam que está quase prestes a trabalhar na Nicarágua. A Nicarágua é um país que não tem um único jornal publicado e onde a polícia pode prender qualquer pessoa que tire uma foto na rua com o celular. Mais de 250 jornalistas estão exilados e pelo menos 54 meios de comunicação foram fechados durante o governo de Daniel Ortega desde os protestos sociais de 2018, de acordo com sindicatos de imprensa.

Como é viver em silêncio e preocupação diariamente?”É um inferno”, diz Lucía Pineda Ubau, diretora do portal Cien por ciento Noticias, o canal de televisão mais assistido na Nicarágua até seu fechamento no final de 2018, quando o governo confiscou seus escritórios e equipamentos, avaliados em milhões de dólares.

As instalações do prestigiado portal Confidencial, dirigido por Carlos Fernando Chamorro, e do La Prensa, último jornal publicado há quase cem anos, também foram ocupadas. O confisco de seus aparelhos representa “um roubo de 10 milhões de dólares”, nas palavras dos diretores do jornal.

Fronteiras da perseguição

“Eles nos atacaram muito, nos prenderam e roubaram tudo: o prédio, os estúdios, o grande controle, as câmeras de televisão”, diz Pineda Ubau, que em 2019 ganhou o Prêmio Coragem no Jornalismo da Fundação Internacional para Mulheres na Mídia, depois de passar 172 dias na prisão de El Chipote, em Manágua, com Miguel Mora. então diretor do canal de televisão.

Pineda Ubau deixou a prisão para se exilar e assumiu o controle da mídia, no entanto Mora permaneceu no país e, em 2021, foi preso novamente, desta vez por buscar um candidato presidencial. Quase dois anos depois, exilou-se nos Estados Unidos. Estados com outros 221 opositores incriminados, que também foram destituídos de sua nacionalidade e de todos os seus bens.

O canal 100% Noticias tem operado na Costa Rica ultimamente com uma pequena equipe de jornalistas. “Trabalhamos em estações localizadas em nossas casas. Resistimos com as unhas”, acrescenta Pineda Ubau.

Mas nem mesmo o exílio garante a liberdade no exercício do jornalismo. “A ditadura nos observa, os analistas políticos não se comunicam como costumavam porque suas famílias estão ameaçadas na Nicarágua. Há perseguição transfronteiriça”, disse.

No entanto, destaca que, embora os recursos sejam escassos na Nicarágua, muitas autoridades fornecem dados para a mídia independente, mesmo sob ameaça de desperdiçar seus empregos ou serem presas. “As pessoas nos mandam notícias ou postam nas redes sociais”, diz. Hoje os cidadãos nos ajudam a acompanhar a Nicarágua de seu exílio”.

Nem mesmo nas catacumbas

Sob a ditadura de Anastasio Somoza (1956-1979), os caçadores de notícias desafiaram a censura lendo as notícias nas igrejas. Eles o chamaram de “jornalismo de catacumba”, referindo-se à posição clandestina onde os primeiros cristãos enterravam secretamente seus mortos. Na Nicarágua de hoje, até isso é possível.

“Se não é a polícia, são as ‘turbas’ sandinistas que vêm nos atacar”, disse à DW um jornalista que ainda está no país e pediu para não ser identificado por razões de segurança. ele para fazer o seu trabalho.

Há quinze meses, o jornalista Víctor Ticay foi preso e condenado a 8 anos de prisão criminal por filmar uma procissão católica. Em novembro passado, dois jovens grafiteiros foram presos e condenados por retratar em uma parede o rosto de Sheynnis Palacios, a Miss Universo nicaraguense que desagrada o governo.

Por sua vez, a vice-presidente Rosario Murillo, que centraliza as informações oficiais, elogia os quadros da mídia sandinista como “comunicadores patrióticos” que pintam “com um senso de dignidade nacional”, ao contrário da mídia, que ela descreve como “mentirosos”. e “semeadores de ódio”.

Uma investigação da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicada em maio passado revelou que a mídia online, principalmente no exílio, “continua a relatar abusos do governo” na Nicarágua. Os poucos espaços críticos que restam, como a rádio Corporación ou o canal de notícias Acción 10, “evitam criticar o regime por medo de represálias”.

“Trabalhar com uma câmera de foto ou vídeo na rua coloca em risco o usuário que usa o equipamento e é confiscado. Quase não há mais reportagens nas ruas”, diz o relatório, que analisa a situação da imprensa em 180 países.

O jornalista exilado Sergio Marín Cornavaca, diretor da página online La Mesa Redonda, disse à DW o mesmo cenário: “Temos outras pessoas que nos contam por dentro, mas é quase como fazer entrevistas em um mercado ou até mesmo escrever um artigo sobre preços de alimentos”, diz ele.

Seus veículos de comunicação também utilizam as redes sociais como fonte de dados. Segundo ele, “90% desses dados são verdadeiros”.

Êxodo de jornalistas

Marín diz que, para os jornalistas nicaraguenses exilados, legalizar seus meios de comunicação na Costa Rica é complexo, o que os impede de obter investimentos neste país, o mais caro da América Central.

Isso levou muitas outras pessoas a migrar para os Estados Unidos no último ano, aproveitando o programa de liberdade condicional humanitária, mas lá elas não podem fazer seus trabalhos e trabalhar como garçons, motoristas de Uber ou pintores de fábricas.

“Muitos colegas deixaram de exercer o jornalismo, deixaram a profissão, e isso é um problema: estamos desperdiçando pessoas com experiência e não há reposição imediata”, diz Pineda Ubau.

Além disso, a prestigiada Universidade Centro-Americana (UCA), que era terreno fértil para novos profissionais de comunicação, não existe mais. Em 2023, o governo o acusou de ser um “centro de terrorismo”, o que levou ao seu fechamento e substituição por uma universidade semipública.

Censura é preocupação

A especialista Dagmar Thiel, diretora da Fundação Andina para o Estudo e Observação da Mídia (Fundamedios), com sede em Washington, acompanha de perto a situação na Nicarágua. “Estamos envolvidos porque o governo está a consolidar o seu autoritarismo e a ganhar cada vez mais capacidade para silenciar a sociedade civil”, disse ele à DW.

Segundo ela, “o regime de Ortega conseguiu silenciar todas as vozes dissidentes” e está aprofundando sua estratégia de repressão, sem que a denúncia estrangeira surta efeito. “Houve declarações de condenação, sanções, mas nada aconteceu”, lamenta.

“O silêncio é tão brutal que sabemos que Víctor Ticay está preso, mas não sabemos como ele está. Nada se sabe sobre os presos políticos [cerca de 140, segundo a oposição] porque as famílias não sabem nada. “Não se atreva a falar. A sociedade se autocensura”, diz Thiel.

Segundo ela, o cenário é ainda pior do que em Cuba ou na Venezuela, porque em Cuba são realizadas coletivas de imprensa, nem que seja para dar a conhecer a posição oficial, e na Venezuela há várias rádios independentes, “que fornecem dados sem medo de serem reprimidas”. em graus ao que está acontecendo na Nicarágua”.

Thiel destaca “o trabalho impressionante” de jornalistas e meios de comunicação nicaraguenses que, “do exílio, continuam a noticiar, proteger seus recursos de dados e continuar a fazer jornalismo – para continuar a ser o centro das atenções”.

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