Pesquisadores da USP apontam: 20 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem depressão e ansiedade relacionados ao trabalho. Mulheres e jovens são os mais afetados. Desemprego, demandas fora do expediente e sistema de metas explicam cenário
Por Raquel Torres
AFETANDO A CABEÇA Faz um tempo que a palavra ‘burnout’ começou a circular – a condição, que envolve sintomas de depressão, ansiedade e estresse relacionados diretamente com o trabalho, foi neste ano classificada pela OMS como síndrome. Agora, uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP estimou pela primeira vez quantas pessoas são afetadas no Brasil. E não é pouca gente: 20 milhões. Ou um em cada cinco trabalhadores. Quando se leva em consideração apenas algum dos sinais – mas não o conjunto que indica a ‘queima total’ –, tem-se que quase metade da força de trabalho do país já foi afetada.A pesquisa foi feita com base em entrevistas com mais de seis mil pessoas entre 21 e 65 anos, de diferentes cidades e classes sociais. Quem mais sofre são as pessoas com menos de 30 anos, que têm menos recursos protetivos – como uma posição boa na empresa para dizer mais ‘nãos’ – e são menos propensos a encarar recomendações que fazem parte do tratamento, como largar o smartphone. Entre homens e mulheres, elas são as mais prejudicadas, o que certamente tem a ver com a jornada adicional de trabalho doméstico. Também conta o fato de elas ocuparem menos cargos de poder, o que gera uma sobrecarga por frustração, segundo a reportagem da Época.Ao longo do texto, especialistas e trabalhadores comuns relacionam a alta prevalência à piora da rotina profissional nos últimos anos. Por exemplo, mesmo que alguém trabalhe oficialmente 40 horas por semana, essa contagem não capta as mensagens de whatsapp enviadas de noite e nos fins de semana. “Todos estão dependentes e escravizados por aplicativos”, diz Rosylane Rocha, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho. Tem ainda os sistemas de metas para vários níveis de funcionários. E, evidentemente, a taxa de desemprego galopante.A reportagem traz exemplos, como a de uma historiadora que aos 26 anos acumulava dois empregos, entrou no mestrado e, depois de dificuldades de concentração, prostração e crises de pânico, foi obrigada pelo psiquiatra a se afastar de tudo por 50 dias. Em outro caso, um engenheiro na casa dos 30 anos começou a sentir os sintomas, ignorou por algum tempo mas, eventualmente, procurou ajuda e “concordou em rever prioridades”. O pesquisador Jeffrey Pfeffer, autor do livro Dying for a paycheck (Morrendo por um salário), escreveu que “em locais de trabalho tóxico, as pessoas devem fazer o mesmo que fariam se estivessem em um lugar cheio de fumaça ou pegando fogo: sair. Não há outra alternativa razoável, pois as consequências para a saúde são mortais”.Por aqui, sentimos falta de uma abordagem sobre como fica a situação de quem não tem a opção de tirar férias nem licença, nesse cenário de informalidade em alta e CLT se desmoronando. DEPRESSÃO CLIMÁTICA Como já comentamos por aqui, a OMS divulgou recentemente um relatório sobre os riscos à saúde associados à crise climática. Uma reportagem da Vice se concentra num aspecto bem específico: depressão, ansiedade e outras questões de saúde mental foram identificadas pela Organização como condições sensíveis ao clima. A pesquisadora Katie Hayes, que publicou um estudo sobre isso no International Journal of Mental Health Systems, diz ao site que, como a desigualdade social tende a ser amplificada pelas mudanças climáticas, os mais marginalizados ficam mais vulneráveis – é o caso de quem precisa sair de casa por conta da crise ou grupos como comunidades indígenas afetadas, que há têm acesso limitado a serviços de saúde. DUPLO FARDO Um grande estudo conduzido pela OMS em colaboração com várias universidades e pesquisadores ao redor do mundo descobriu que mais de um terço dos países de média e baixa renda apresenta um mal duplo: têm taxas significativas de obesidade junto com bolsões contínuos de desnutrição. O trabalho analisou dados históricos de pesquisas sobre nutrição de mais de 120 países, e o problema foi identificado sempre em mais de 40 (45 de um total de 123 nos anos 1990, e 48 de 126 nos anos 2010). Neles, pelo menos 20% da população tem sobrepeso ou obesidade, enquanto 30% das crianças têm baixa estatura para a idade; 15% têm baixo peso em relação à altura; ou mais de 20% das mulheres são particularmente magras. O problema está crescendo mais rapidamente no sudeste da Ásia e na África subsaariana. A conclusão dos autores é que as crianças têm desnutrição ligada ao baixo peso no início da vida, e depois engordam devido à oferta massiva de alimentos superprocessados, fast food e comidas muito calóricas e gordurosas em geral – que são baratos e amparados por um marketing agressivo – , com acesso reduzido a alimentos frescos e saudáveis. Para piorar, a vida urbana põe barreiras à prática de atividades físicas.E mesmo os programas clássicos de nutrição podem ter tido um papel na construção desse cenário: é que, para dar conta da desnutrição infantil, eles acabam se concentrando em fazer suplementação com alimentos ricos em gorduras e carboidratos, mas não necessariamente com muitas fibras, proteínas e micronutrientes. “Portanto, isso significa que a obesidade cresceu sob a vigilância de programas projetados para combater a desnutrição”, aponta Corinna Hawkes, uma das autoras.A solução, claro, exige enfrentar as empresas responsáveis por isso. Os autores propõem uma série de abordagens que devem ser feitas em conjunto nas áreas de saúde, educação, agricultura e assistência social e dizem que o ideal é uma reestruturação completa no sistema alimentar, aumentando os incentivos para produção e comércio de alimentos saudáveis. No curto prazo, a indicação é de que se adotem medidas como melhor rotulagem de alimentos, criação de políticas fiscais para apoiar a produção de alimentos saudáveis; aquisição de mais comida saudável para merenda escolar e restrições sistemáticas à propaganda de junk food.O MAIS ENCONTRADO No último relatório do PARA, Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa (falamos dele na semana passada), a substância mais encontrada nas amostras foi o imidacloprido, que esteve presente em 15% de todos os alimentos testados. A Agência Pública e a Repórter Brasil lembram que ele é fatal para insetos polinizadores – e que está diretamente ligado ao fato de que este ano 500 milhões de abelhas morreram em menos de três meses em quatro estados brasileiros. Para a saúde humana, o perigo é duplo: o primeiro, mais evidente, é o da contaminação das pessoas pelo consumo. Outro é que, ao matar polinizadores, o agrotóxico acaba prejudicando lavouras. “No Brasil, das 141 espécies de plantas cultivadas para alimentação humana e animal, cerca de 60% dependem em certo grau da polinização das abelhas. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 75% dos cultivos destinados à alimentação humana no mundo dependem das abelhas”, diz a reportagem.Só este ano, oito produtos à base de imidacloprido foram autorizados pelo governo brasileiro. E, entre os alimentos testados no PARA, os que apresentaram mais resíduos de agrotóxicos em geral foram laranja, uva e goiaba.A matéria também analisa outros aspectos e resultados do PARA. Além das críticas que já apontamos aqui (por exemplo, a análise não levou em conta todos os agrotóxicos registrados no Brasil), está o fato de que se mudou a metodologia do Programa. Se antes eram analisados 25 alimentos, agora são 36, mas nem sempre todos vão entrar na lista, que vai mudar a cada ano. Neste relatório, por exemplo, só aparecem 14, e ficaram de fora alimentos que estão diariamente no prato dos brasileiros, como feijão, trigo e batata. TÁ EXPLICADO Nos últimos protestos chilenos, muitos manifestantes precisaram procurar serviços de saúde com queimaduras graves e reações alérgicas. Então o Movimento Saúde em Resistência encomendou uma análise ao Colégio de Químicos Farmacêuticos e Bioquímicos do país e, afinal, o estudo revelou que a água usada pelos policiais na repressão contém nada menos do que soda cáustica, além de elementos de gás de pimenta. A análise indica que o contato com a soda cáustica presente na água pode causar inflamações nos pulmões, desmaios, queimaduras e cegueira – o que deve estar relacionado com os casos de manifestantes que perderam a visão. Ao menos 350 pessoas tiveram ferimentos nos olhos.O ministro da Saúde, Jaime Mañalich, “discordou” do resultado. Postou em uma rede social que o informe recebido pela pasta sobre o líquido usado pela polícia não relata “presença de soda cáustica”. Já a polícia, por meio de um diretor de logística, disse ao jornal La Tercera que “não existe nenhuma forma de empregar esse produto no controle da ordem pública”.O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos já denunciou casos de estupro, tortura e abusos de policiais de agentes das Forças Armadas do Chile nos protestos.EPIDEMIA OCULTA No New York Times, a colunista Jane Brody aborda o uso de remédios por idosos. Nos EUA, quem tem entre 65 e 69 anos toma em média 15 medicamentos prescritos por ano; de 80 a 84 anos, o número sobe para 18. Fora os que não precisam de receita. Os coquetéis podem fazer mais mal do que bem: muitas das drogas são desnecessárias e/ou usadas de maneira incorreta – até porque não é simples, principalmente para os mais velhos, seguir com precisão as instruções médicas para o consumo de tantos remédios ao mesmo tempo. Idosos são particularmente vulneráveis ao que se conhece como ‘cascata de prescrições’, com medicamentos sendo prescritos, gerando efeitos colaterais, e então novos medicamentos sendo indicados para tratar esses efeitos, que muitas vezes são confundidos com sintomas de uma nova doençaA situação meio caótica é “em grande parte resultado de nosso sistema de assistência à saúde fragmentado, com visitas médicas apressadas e promoção direta de medicamentos a pacientes mal equipados para tomar decisões racionais sobre o que tomar, o que não tomar, e quando tomar”, escreve Brody.SÓ EM 2276 Em seu relatório anual sobre igualdade de gênero no mundo, o Fórum Econômico Mundial analisa as áreas de saúde, educação, política e trabalho em 153 países. Nas três primeiras, houve melhoras, o que pode ser atribuído ao aumento significativo do número de mulheres na política. Mas, em relação ao trabalho, a desigualdade aumentou este ano e, nesse ritmo, só em 2276 se vai alcançar a paridade. O documento atribui isso à “baixa proporção de mulheres em cargos gerenciais, ao congelamento de seus salários e à sua baixa participação na força de trabalho e na renda”.
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