Parece que o mercado começou a olhar mais atentamente para esses unicórnios (Ilustração: Getty images)
Em 2008, a startup de Adam Neumann e Miguel McKelvey não ia bem, e eles resolveram sublocar parte do seu escritório para outras startups. A demanda foi grande e, meses depois, eles sugeriram uma parceria ao proprietário do prédio, para ampliar o espaço disponível. Nasceu, então, a GreenDesk, uma das primeiras empresas de coworking dos EUA.
Dois anos depois, em 2010, Adam e Miguel estavam convictos de que havia ali uma grande oportunidade de mercado. Venderam sua participação na GreenDesk e fundaram a WeWork. Eles pareciam estar certos. O negócio começou a crescer rapidamente e, em 2014, a empresa já faturava US$ 75 milhões. Adam usava seu incrível poder de persuasão para atrair cada vez mais investidores. Poucos anos depois, já havia captado a incrível quantia de US$ 12 bilhões; e, em agosto de 2019, anunciou seu IPO na Nasdaq. O valuation foi fixado em US$ 47 bilhões, e o Goldman Sachs chegou a avaliar a empresa em mais de US$ 60 bilhões.
Entretanto, apesar de todo o otimismo no mundo das startups, Wall Street reagiu mal aos números da WeWork. No último ano, o faturamento bateu US$ 1,8 bilhão, e o prejuízo foi de US$ 1,9 bilhão. Em questão de dias, o valuation despencou US$ 30 bilhões. A euforia do IPO começou a se transformar num pesadelo. No último dia 24 de setembro, o CEO, Adam Neumann, foi destituído do cargo, e o IPO foi cancelado.
O WeWork está presente em mais de cem cidades, em cerca de 30 países. Mais de 500 mil pessoas trabalham em seus 528 escritórios. E foi exatamente este tamanho que chamou a atenção dos analistas do mercado financeiro. Neste patamar, a escala atingida pelo WeWork já deveria ter permitido que sua operação estivesse ao menos no ponto de equilíbrio. O mercado não conseguiu entender como o WeWork seria capaz de reverter seu enorme resultado negativo. E a verdade é que o SoftBank também não sabe qual é o segredo dessa mágica.
O que essa história está trazendo à tona é algo que pode marcar um ponto de inflexão na indústria de venture capital. Pois uma coisa é o mercado fechado, no qual os investidores v ão efetuando sucessivas rodadas de investimento e, a cada uma, o valuation da empresa vai aumentando, muitas vezes numa proporção dissociada do seu crescimento, seja em base de clientes, seja em receita ou qualquer outro indicador. Outra realidade é a do mercado aberto, em que investidores tendem a aplicar modelos de avaliação de empresas menos suscetíveis ao elemento “expectativa”. E, dessa forma, precisam encaixar altas doses de racionalidade no modelo.
Isso ficou claro no IPO da Uber. O prospecto da empresa trazia, em suas mais de 300 páginas, pérolas que significavam, em outras palavras: “não ganhamos dinheiro hoje e não sabemos exatamente como vamos ganhar no futuro, se é que isso um dia vai acontecer”. Dois meses antes, a concorrente Lyft havia feito o seu IPO na Nasdaq e, um dia antes do IPO da Uber, as ações da Lyft já valiam 30% menos. O IPO da Uber aconteceu e o resultado é que, em outubro de 2019, passados seis meses, as ações já tinham caído mais de 20%. Peloton e Endeavor engrossam a lista de IPOs problemáticos.
Parece que o mercado começou a olhar mais atentamente para esses unicórnios, que chegaram a valuations estratosféricos talvez de forma não tão técnica quanto os analistas gostariam. E o caso da WeWork pode ter sido a gota d’água.
Em um artigo no site avc.com, Fred Wilson, sócio-fundador do fundo de venture capital Union Square Ventures, que administra cerca de US$ 2 bilhões, afirma que chegou a hora do acerto de contas do mercado aberto com o mundo mágico do Vale do Silício. Ele chama a atenção para a falta de foco dos investidores em startups na margem de contribuição unitária e a demasiada relevância dada à melhor experiência possível ao usuário, a qualquer custo. Uma hora essa conta ia chegar. E é exatamente o que o processo do IPO da WeWork parece ter disparado.
O gesto de Wilson foi imediatamente seguido por sócios dos fundos Benchmark e Foundry Group, dois VCs relevantes no ecossistema. E rapidamente começou a atingir empreendedores. Travis VanderZanden, CEO da Bird, a controversa startup de aluguel de patinetes, surpreendeu a plateia de um evento em São Francisco ao dizer que o foco da companhia agora está no lucro, e não mais no crescimento da base de clientes. Lembro de ter ouvido o mesmo Travis dizer numa conferência, alguns meses atrás, que a empresa ainda testava alternativas para tornar a operação lucrativa, embora esta não pudesse ser a preocupação central, visto que o mercado estava excessivamente competitivo, com cada vez mais players brigando pelo mesmo público-alvo.
Podemos ter chegado a uma nova etapa no mundo de investimentos em startups, na qual estas empresas terão de se aproximar das premissas básicas dos tradicionais modelos financeiros. Em entrevista recente, o professor da NYU Scott Galloway foi mais ácido em sua crítica: “Os limites entre a visão, o bullshit e a fraude são bem tênues”. Toda essa discussão é especialmente relevante para o ecossistema brasileiro, que está apreensivo com a entrada do SoftBank, o maior fundo de risco do mundo, tido por onde passa como vilão dos super valuations. Num momento em que nunca se viu tanta liquidez neste mercado, todo esse debate tende a trazer resultados bem interessantes.
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