(C) SISTEMA VERDES MARES 2020
Alan Mendonça deve um tanto às letras de música. Aprendeu de maneira singular com elas. Uma, em específico, ele traz com carinho à superfície porque evoca o tempo da infância. É “Nos Bailes da Vida”, composição de Milton Nascimento e Fernando Brant.
“Ela tem a ver com a imagem de que todo artista tem de ir aonde o povo está, algo que vem comigo desde menino”, recorda o poeta cearense, natural de Fortaleza. Daí que para anexar outras sementes de canções à trajetória foi fácil. Bastava ficar desperto, atento.
Como quando ouviu “Sina de cantor”, dos conterrâneos Rogério Franco e Serrão de Castro. Foi capaz de se ver no bonito verso “algumas vezes me apavoro com a grandeza, então escrevo a minha sina de carteiro, que é de levar a poesia em cada canto e de cantar no seu radinho sobre a mesa”.
Não à toa, já transitou por diferentes geografias e continua a fomentar um diálogo duplo: tanto as paisagens o convocam a um novo olhar sobre as coisas como os verbos retribuem o carinho ao não se separarem de uma estética em saída.
No ano em que Alan completa duas décadas de carreira poética, o Verso traz um apanhado do que ainda vem por aí sob a pena do artista e apresenta os processos de composição abraçados por ele.
Mendonça adianta que 2020 será um período rico em novidades. A bagagem do poeta ficará ainda mais robusta com lançamentos de CDs e realização de peças, monólogos, mostras teatrais, entre outras ações no ramo.
Novos projetos no universo da música erudita – a partir de parceria com o compositor de Russas, Liduíno Pitombeira – também acontecerão, bem como lançamento de site para si e a editora Radiadora, que se propõe a difundir a literatura feita no Ceará além da capital.
Os atravessamentos realizados por Alan nos últimos tempos não negam: com a borbulha acesa, o fogo poético produziu labareda e contagiou diferentes territórios. Uma das mais recentes empreitadas que realizou foi estar em Portugal, não sem antes passar por outras geografias.
“A viagem começou faz tempo, no coração das miragens, mas o corpo pegou estrada em maio do ano passado, num sábado, a caminho de Quixeramobim, aos passos inversos do peregrino Conselheiro. Depois, fui para Banabuiú e segui para Quixadá, onde minha palavra sempre reencontra a intimidade das pedras”.
Após passar por Fortaleza, seguiu para Limoeiro do Norte, terra irmã de Russas, por onde esteve também antes de pegar o rumo do mar e desembarcar do outro lado do Atlântico a se comunicar pela mesma língua tão outra. Atravessou Braga, Ílhavo, Aveiro, Lisboa, Porto e Coimbra a entender os pequenos do mundo e angariando espaço por meio de eventos envolvendo literatura.
Quando indagado sobre o que reuniu a partir das viagens, em especial pela terra lusa, Alan destaca a abertura de possibilidades de encarar culturas.
Além de escritor, Alan Mendonça também é letrista, dramaturgo, arte-educador, editor e produtor. Sob sua pena, já vieram a público discos, espetáculos, feiras, mostras, encontros e festivais, além de livros como “Varandas”, em 2004; “A Desmedula da Seta”, em 2011; e “O cinema dos fósseis”, em 2018, entre vários outros.
A partir desses diferentes ofícios, o artista reflete sobre o alcance de sua poética em diversidade de praças, chamando atenção para o fato de que, em quaisquer delas, há a urgência de estar entre versos.
“Em alguns lugares, a poesia adentra a porta sob os receios do dono da casa; em outros, pousa leve e aconchegada; também é arrebatadora dançarina de pensamentos; e, em outros, novidade pura e encantadora ou por dores guardadas há tempos. Apesar de toda diferença, há o que é comum a toda raça humana: as coisas do amor, lembranças, sonhos, feridas, cisco no olhar, necessidade extrema de alguma poesia”.
Quando olha para trás e observa os 20 anos de caminhada profissional, fica, enfim, um espírito de liberdade no peito. E, sobretudo, a paixão pela palavra que ultrapassa o português brasileiro. Trata-se da língua nordestina e das ressonâncias que ela alimenta em cada trajeto percorrido.
Nesse movimento, Alan volta ao ponto inicial deste texto e da própria vida de modo a abraçar o que o constitui no posto de pessoa e profissional: é feito pássaro, dado a atirar-se por aí.
E completa: “Vivo também do que reverbera da minha palavra por poesia na pessoa que a escuta e retorna por qualquer linguagem que seja: do olhar, do sorriso, do espanto… Tudo é matéria-prima do que eu faço por palavras com seus sentidos e semânticas, bonitezas e estranhezas ditas de várias formas”.
Quanto ao que vem pela frente nessa seara do partir, afirma estar se preparando para cair na estrada em breve tendo em mãos o novo livro, “Biografia Geral da Rua Única”. A ideia é passar pelas mesmas cidades cearenses do ano passado, aumentando a quantidade de municípios. Também menciona outros Estados além do Ceará e aspira voltar a Portugal.