‘Sr. Dakar’ reage à morte de Paulo Gonçalves: “É difícil de engolir”

Stéphane Peterhansel reagiu com consternação à morte do piloto português Paulo Gonçalves, neste domingo, durante a sétima etapa no Dakar. Comissário português na prova diz ao DN que foi “um acidente gravíssimo, a alta velocidade”.

Paulo Gonalves no Dakar 2020. Era o décimo terceiro vez que o piloto corria na competição.

© Facebook Dakar

O piloto português morreu neste domingo, na 7.ª etapa do Rally Dakar 2020, quando deu uma queda, confirmou a organização do evento no seu site. Tinha 40 anos. “Morreu a tentar alcançar o sonho de vencer uma das mais duras e perigosas provas de rally do mundo, na qual foi sempre um digníssimo representante de Portugal”, reagiu Marcelo Rebelo de Sousa, na página da Presidência da República.

O piloto francês Stéphane Peterhansel, conhecido pelo senhor Dakar, múltiplo campeão do rali, em motas e carros, considerou neste domingo que a morte faz com que se coloque tudo em causa e falou da paixão de Paulo Gonçalves pelo seu desporto.

“De cada vez [que morre alguém], surge a mesma questão. O que é que estamos a fazer aqui? Para quê? É realmente necessário competir? Não é a vida algo mais importante?”, questionou o piloto, referindo que as respostas não existem.

“Era alguém que conhecia os riscos, era a sua paixão. Isso pode atenuar um pouco o que sentimos. Ele [Paulo Gonçalves] partiu a fazer o que o apaixonava, o que é um pequeno consolo. Mas é difícil de ‘engolir’ de cada vez que acontece”, comentou ainda Peterhansel.

O português Pedro Melvill de Araújo, diretor do rali da Madeira, está no Dakar como comissário desportivo da Federação Internacional do Automóvel (FIA), na qualidade de presidente do Colégio de Comissários Desportivos, e recebeu logo pela manhã deste domingo a notícia da morte do motard português Paulo Gonçalves durante a sétima etapa do rali, quando deixava o avião e se preparava para ir para o acampamento.

“A informação que tenho neste momento é aquela foi divulgada. O Paulo sofreu um acidente muito grave no decorrer da sétima etapa e embora tenha sido assistido muito rapidamente, não houve nada a fazer. Foi um acidente gravíssimo, a alta velocidade, mas só mais tarde poderão ser conhecidas as causas. Devo dizer que a equipa de socorro chegou muito rapidamente ao local, em sete, oito minutos, o que nestas circunstâncias em cenário de deserto é extremamente rápido. Julgo que quando o socorreram ele estava já mesmo no fim e depois no hospital foi declarado o óbito”, contou emocionado ao DN, através de contacto telefónico.

“É uma grande consternação, uma tristeza imensa. Quando morre um piloto já ficamos abatidos, agora tratando-se de um português e que ainda por cima eu conhecia bem…. deram-me a notícia logo pela manhã, estava a sair do avião que me trouxe de Riade. Sabem que eu sou português.., a morte do Paulo é grande choque. É muito complicado recebermos uma notícia destas no meio do deserto”, lamentou ao DN.

Pedro Melvill de Araújo conhecia bem Paulo Gonçalves e não esquece o piloto corretíssimo e um profissional considerado por todos. “Ainda recentemente estivemos juntos, ele como sabe que sou médico falou-me da complicações que teve devido a um acidente que sofreu e da sua recuperação. O Paulo era um piloto corretíssimo, muito considerado por toda a gente. Ele era muito respeitado por todos os pilotos e era sempre um candidato à vitória nas motos. Era um piloto de causas, que mesmo sabendo das penalizações ajudava sempre os colegas em dificuldades. E foram muitos os exemplos ao longo das várias edições do Dakar. Por isso aqui estamos todos muito consternados e tristes com a morte do Paulo. Infelizmente não conseguiu cumprir o sonho que sempre perseguiu, o de vencer um Dakar. Mas a sua lenda vai ficar para sempre. Será para sempre recordado como um piloto de nível mundial”, referiu.

Também o piloto português António Maio disse neste domingo que viveu a pior etapa da sua carreira, no final da sétima tirada do Rali Dakar de todo-o-terreno, na qual o seu compatriota Paulo Gonçalves morreu. “Passei [por Paulo Gonçalves], estavam a fazer manobras de reanimação e percebi logo que era grave. Não é fácil… É a pior etapa da minha vida”, disse o capitão da GNR à pagina do Facebook Brasil no Dakar.

Visivelmente emocionado, o português disse estar “em choque ainda” depois de ver “aquela imagem” de Paulo Gonçalves a receber assistência. “Não há palavras, não sei o que podemos dizer”, concluiu o piloto da Yamaha.

O espanhol Fernando Alonso, ex-piloto de fórmula 1 que se estreia neste ano do Dakar, também lamentou a morte de Paulo Gonçalves: “Dia muito triste. Um abraço imenso para a família e amigos de Paulo Gonçalves. Um campeão. Descansa em paz”, escreveu no Twitter.

O acidente aconteceu aos 276 quilómetros da sua 13.º prova no Rally. E quando a equipa médica chegou ao local, às 10:16, oito minutos depois de ter sido dado o alerta, Paulo Gonçalves já estaria inconsciente. Foi transportado de helicóptero para o Layla Hospital, onde a morte foi confirmada. “O helicóptero com a equipa médica chegou perto do motociclista às 10:16 e encontro-o inconsciente depois de ter sofrido uma paragem cardíaca. Após esforços para o ressuscitar no local, foi levado para o Layla Hospital, onde infelizmente foi declarado o óbito”, escreveu a equipa do Dakar na sua página na Internet.

O australiano Toby Price, campeão em título, parou quando encontrou Paulo Gonçalves caído na areia e permaneceu junto ao piloto português até à chegada da assistência médica.

O argentino Kevin Benavides, amigo de Paulo Gonçalves, revelou que parou no local do acidente, mas que apenas percebeu de quem se tratava mais tarde e não conseguiu parar de chorar. “Não tenho palavras para explicar a tristeza que sinto. Hoje, quando cheguei ao local do acidente, detive-me e parei ao lado do Toby [Price], já lá estavam os médicos e não me aproximei. Não percebi que eras tu o piloto que estava no chão, a uns dez metros de mim, pensei que era o teu companheiro de equipa, porque, ao sair de trás, perdi a ordem”, escreveu Benavides.

O piloto argentino, que viria a ganhar a etapa, depois de lhe ter sido retirado o tempo em que esteve junto a Paulo Gonçalves, deixou um discurso emocionado na rede Instagram, ao contar a cronologia dos acontecimentos, com uma fotografia antiga, em que está abraçado ao português. “Disseram-me para continuar. Cheguei ao abastecimento e outros pilotos revelaram que eras tu que estavas caído. Fiquei sem chão e ainda faltavam 70 quilómetros. Chorei cada quilómetro até ao final”, disse o argentino.

Benavides, que ganhou nas motos, acrescenta, na nota que partilhou, dedicar a vitória ao piloto português, a quem chama ídolo. “Ganhei a etapa e dedico-ta, com muita dor. Ensinaste-me a seguir em frente, a sorrir à vida, tens a minha admiração como piloto e agradeço à vida ter-te posto no meu caminho, e poder partilhar momentos incríveis e inesquecíveis contigo”, acrescentou.

A finalizar, Benavides diz que Paulo Gonçalves, provavelmente, não quis que ele o visse ali — quando não se deu conta de quem era -, e que o lembrará sempre. “Tenho um anjo que me guiará desde lá de cima. Quero-te para sempre”, concluiu o piloto.

“O Dakar é a prova mais perigosa do mundo. Este ano é a prova disso mesmo, já desistiram milhares de pilotos. Paulo Gonçalves fica para a história. Esteve perto de ganhar o Dakar várias vezes”, lembra o piloto português Bernardo Vilar, em direto na RTP, esta manhã. “O Paulo era muito forte, muito forte. Toda a gente o conhecia por isso. Começou no motocrosse, que é uma disciplina muito exigente, e há muitos anos que era um piloto profissional. Ou seja, há muitos anos que não fazia mais nada na vida que não preparar-se para correr. O Paulo estava extremamente bem preparado. Para mim, era um dos pilotos mais fortes da competição”, acrescenta.

O motociclista da Hero, que seguia na mota número oito, estava em 46.º lugar na competição que termina no dia 17 deste mês. Paulo Gonçalves, natural de Esposende, ficou quatro vezes no top 10 do Dakar, onde se estreou em 2006, em Lisboa. Alcançou o segundo lugar em 2015 e seguiram-se anos menos felizes: em 2016, abandonou a competição na 11.ª etapa, quando já contava com uma vitória em especiais, terminou em sexto em 2017, depois de ter liderado metade da corrida, e, em 2018, nem sequer chegou a arrancar devido a uma lesão. Em 2019, abandonou o Dakar na quinta etapa, após uma queda violenta que o deixou inconsciente.

O austríaco Walkner era apontado como um dos favoritos à vitória nas motos e, por isso, um adversário direto de Gonçalves, mas nem isso impediu o português de auxiliar o piloto da KTM. Paulo Gonçalves liderava a prova, neste dia 9 de janeiro, mesmo assim optou por parar 10 minutos e 53 segundos. Não venceu o Dakar, mas o gesto valeu-lhe o Prémio Ética no Desporto, do Instituto Português do Desporto e Juventude.

Um reconhecimento que nem sempre lhe foi prestado. Em 2012, tirou a mota do francês Cyril Despres de um lamaçal, ficando com a sua enterrada de seguida e entregue à própria sorte. Despres montou a mota e seguiu sem agradecer o auxílio ao piloto português, ganhando-lhe 15 minutos na etapa.

Paulo Gonalves durante 13. edição do Rally Dakar.

© EPA/ANDRE DOR

Matthias Walkner classificou neste domingo como “trágica” a morte do português, que descreveu como “um piloto muito simpático e prestável”.

Numa publicação ilustrada por uma foto na qual aparece no pódio ao lado de Paulo Gonçalves, sorridente, o austríaco escreve: “É exatamente assim que te vou lembrar. RIP Campeão”. “Isto é horrível. Os resultados e a luta por um lugar no topo, de repente, não interessam nada! O Paulo era um veterano, aqui. Ele parou e ajudou-me quando tive um acidente em 2016, era um atleta incrivelmente simpático, prestável e justo”, escreve o austríaco na rede social Facebook.

Matthias Walkner refere que Paulo Gonçalves, que morreu hoje na sequência de acidente na sétima etapa do rali Dakar, lhe deu “dicas no início da carreira”. O austríaco, que também está a disputar a 42.ª edição da prova, refere que há alguns dias Paulo Gonçalves lhe disse que esta “seria a sua última temporada”. Walkner termina a publicação com a frase: “É tão trágico que nem sei o que dizer”.

Este sábado, dia de descanso, Paulo Gonçalves fazia um balanço da primeira semana “com altos e baixos” num vídeo publicado na sua conta de Instagram. “Comecei o rally de forma regular. Infelizmente, no terceiro dia, tive um problema mecânico que quase me colocava fora da corrida. Consegui resolver, mantive-me na corrida. A partir desse dia o objetivo foi alterado, obviamente”, diz.

“Sem conseguir um bom resultado final passei a tentar disputar cada dia como se fosse uma corrida nova. Consegui bons resultados até ao momento. Consegui ser 4º numa etapa, 8º e 10º”, continuava.

Dois anos antes, já tinha sido obrigado a abandonar o Dakar, depois da sua Honda CRF 450 se ter incendiado no decorrer da quinta etapa, entre Chilecito e Tucuman, na Argentina. Seguia no 19.º lugar na classificação geral, quando, na mesma semana, perdeu duas horas na competição para ajudar o colega Ruben Faria, vitima de uma queda.

A perda é grande, dizem todos do Presidente da República ao presidente da Federação Internacional de Motociclismo, o português Jorge Viegas. “Não posso estar mais triste. Era um piloto que adorava e que conhecia desde pequenino. Era um exemplo como piloto e como pessoa”, disse à, agência Lusa, Jorge Viegas. “O motociclismo português está de luto muito carregado. O Paulo era sempre uma alegria onde chegava e era muito boa pessoa”.

“Descansa em paz, guerreiro Paulo. O desporto e Portugal ficam hoje mais pobres. Até sempre, Campeão!”, escreveu o piloto António Félix da Costa no Facebook, acompanhando a publicação com uma fotografia do piloto de Esposende.

Já o piloto de MotoGP Miguel Oliveira disse que Paulo Gonçalves deixou “uma marca profunda na vida de quem teve o privilégio de se cruzar” consigo. “A tua coragem e valentia são exemplos para todos nós. DEP [Descansa em paz]”, escreveu na mesma rede social.

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