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Uma figura central das operações suspeitas que levaram, esta quinta-feira, a buscas pela PJ no Montepio chama-se Luís Almeida. Era o homem que Tomás Correia queria para lhe suceder à frente da associação mutualista – e, até ao fim, foi fiel ao polémico ex-líder. O plano não deu certo: o novo supervisor — a autoridade dos seguros e fundos de pensões (ASF) — sinalizou que não o aceitaria como presidente da mutualista. Porém, após a desistência de Tomás Correia, a ASF acabou por permitir que Luís Almeida fosse registado para ser um dos administradores.
O supervisor da banca tinha-o recusado, em 2018, para um cargo importante no Banco Montepio mas a candidatura foi retirada antes de o Banco de Portugal oficializar esse chumbo, pelo que o banqueiro – que foi o pivô da operação de aumento de capital do Montepio investigada pela PJ e Ministério Público, como se comprovou esta quinta-feira – acabou por ter o OK para estar na administração da mutualista que gere poupanças de cerca de 600 mil portugueses. E Luís Almeida continua no cargo.
O Observador reconstitui, em detalhe, a informação que está na posse do Banco de Portugal desde 2014 e que levou às buscas desta quinta-feira, informação em bruto que lança fortes dúvidas sobre Luís Almeida — e que também serviu de base a uma auditoria interna confidencial que o Observador também avançou esta quinta-feira.
Apesar destas informações, o supervisor nunca tirou conclusões formais sobre a idoneidade de Luís Almeida para trabalhar na banca. Em 2015, já depois da separação entre a mutualista e o banco, foi aprovado para administrador-executivo do Banco Montepio e só em 2018, quando já estava outra equipa na supervisão do Banco de Portugal, é que foi recusado para a liderança de uma das unidades mais importantes do banco, a Montepio Crédito – mesmo assim, sem chumbo formal, porque Luís Almeida retirou a candidatura a tempo.
Neste momento, sabe o Observador, Luís Almeida está a ser investigado pelo Banco de Portugal sobre outro caso, o que o envolve no caso das Vogais Dinâmicas, no tempo em que foi administrador-executivo do banco, como já foi noticiado – mas ainda não existe um processo aberto no âmbito de eventuais contraordenações. Quanto à atuação em Angola, essa é jurisdição do Banco Nacional de Angola, não do Banco de Portugal. Contactado, o Banco de Portugal indicou que “não comenta eventuais processos de contraordenação”.
A ASF, que agora também escrutina a mutualista Montepio (antes era só o Ministério do Trabalho), já está na posse dessa documentação, sabe o Observador. Chegou-lhe por duas vias: foi partilhada, em bruto, pelo Banco de Portugal; e foi também entregue em mãos à presidente da ASF por um denunciante. Mas, numa altura em que muitos admitem novas eleições na mutualista já este ano, a ASF continua à espera que o Banco de Portugal tire conclusões sobre o percurso de Luís Almeida – isso tornaria mais fácil a vida da ASF, muito embora o mesmo supervisor, noutros casos, tenha sido mais pró-ativo (como a rejeição recente a Fernando Nogueira, para a seguradora Lusitânia, noticiada em primeira mão pelo Observador, meses antes da oficialização). Isto apesar de a mesma ASF já o ter rejeitado para a presidência da mutualista (mas depois, paradoxalmente, autorizou-o para vogal da administração).
Questionada, a fonte oficial de asf indicou que “de acordo com a lei, a ASF está sujeita ao dever de sigilo relativamente aos factos cuyoconocimiento chega a ela exclusivamente para o desempenho de suas funções, e a informação é necessária no contexto desse segredo”. Mas nesta fase, o Observador sabe, com o fim de, eventualmente, retirar o registro dado a ASF espera banco de Portugal para governar formalmente na rota de luís almeida, não só em Portugal, mas também no momento em que foi destinado à Finibanco Angola.
Parte da explicação para que Tomás Correia não tenha ficado, sequer, na Fundação Montepio – como se acreditava que iria acontecer, antes de mudar de ideias – estará numa proposta feita na última reunião do conselho de administração da mutualista para “redefinir” o alcance da fundação, o que implicaria uma multiplicação do dinheiro que a associação atribui anualmente ao organismo, que é de um milhão de euros. Mas a proposta nem foi votada porque três dos cinco administradores mataram-na à nascença: Virgílio Lima, novo presidente (que historicamente sempre foi alinhado com Tomás Correia); Carlos Beato, ex-autarca de Grândola, outrora também muito próximo do líder; e Idália Serrão, ex-deputada socialista que já foi secretária de Estado adjunta.
Mas não foi Tomás Correia quem avançou com essa proposta – aliás, até nem estava na sala quando a ideia foi discutida, alegando que tinha compromissos que o obrigavam a abandonar momentaneamente os trabalhos. Quem avançou com a proposta foi o administrador Luís Almeida, confirmando-se como o mais irredutível defensor de Tomás Correia e homem-chave em várias das iniciativas da sua administração (não só na mutualista mas, sobretudo, enquanto este também era presidente do banco).
Ora, em finais de novembro, quando a ASF tornou público o registo para os órgãos sociais da mutualista Montepio, o enfoque mediático foi para a ausência de Tomás Correia (que, na verdade, não era surpreendente) e, quando muito, para a nomeação de Virgílio Lima como presidente. Mas passou relativamente despercebida a concessão do registo a Luís Almeida, embora tenha causado grande perplexidade em alguns setores do meio financeiro e em pessoas do Banco de Portugal, que o conhecem bem e que estão por dentro do processo de investigação que ainda decorre.
É de origem angolana, precisamente, a designação “revienga” – nome, feminino, que descreve uma manobra com desvios apertados; pirueta –, uma expressão popularizada em Portugal pelo relato futebolístico de Jorge Perestrelo e que assenta como uma luva nas suspeitas que recaem sobre a atuação de Luís Almeida, designadamente no aumento de capital do Montepio, em 2013, quando era administrador-executivo do Finibanco Angola e principal responsável pela ligação com Lisboa (com a Caixa Económica Montepio Geral, hoje comercialmente conhecida como Banco Montepio). São essas as operações que servem de base às buscas da PJ desta quinta-feira.
Em dezembro de 2013, Luís Almeida escreveu um e-mail a pedir que se garantisse a subscrição de, especificamente, três lotes volumosos dos títulos do aumento de capital que estava em curso por clientes do banco que liderava em Luanda – 35 milhões de euros, no total, para os três clientes. Esse pedido especial foi feito na véspera do final da operação que pretendia angariar 200 milhões de euros. O sucesso do aumento de capital foi, assim, garantido com essas subscrições – embora não seja claro que o objetivo da iniciativa de Luís Almeida tivesse sido esse, como veremos mais à frente.
Como revela a auditoria divulgada esta quinta-feira pelo Observador, a subscrição pelo filho de José Guilherme, de 20 milhões de unidades de participação por 20 milhões de euros, só aconteceu porque o Finibanco Angola avançou com 38,7 milhões de euros — 20 milhões para usar no aumento de capital e os outros 18,7 milhões relacionados com um contrato de compra e venda de um imóvel que seria a nova sede do Finibanco Angola. E que ainda não estava construída. Entre 12 de dezembro de 2013 e 20 de janeiro de 2015, “o financiamento de 20 milhões de euros a Paulo Guilherme não beneficiava de qualquer garantia”, diz a auditoria.
Esse era um prédio que seriam empresas ligadas a José Guilherme que iriam construir, segundo uma denúncia que seguiu para o Banco de Portugal em finais de 2014 e que chamava a atenção, também, para o envolvimento nesse processo de Pedro Flores Correia, o filho de Tomás Correia que hoje está na Roland Berger. A Roland Berger é uma consultora com a qual a mutualista Montepio mantém há alguns anos contratos de “consultoria estratégica” para ajudar com a “transformação e modernização” da instituição, segundo disse fonte oficial ao Observador (contratos que a mesma fonte garante não terem sido interrompidos, mas sim cujos moldes de colaboração para o ano de 2020 estão “em avaliação”)
No final de 2018, em entrevista à agência Lusa, Tomás Correia negou que tivesse havido financiamentos ao construtor José Guilherme (ou outras pessoas da sua família) para poderem participar naquele aumento de capital. E acrescentou que o Montepio “não precisava dessa subscrição para fazer a emissão com êxito”. O que sabemos é que a consequência prática desse investimento foi a aplicação de fundos que estavam em Angola, em kwanzas e dólares, libertando-se dos controlos cambiais que existiam no país e transformando-se, convenientemente, num investimento em euros.
Mais tarde, em 2017, seria a Associação Mutualista Montepio Geral a recomprar esses títulos, na prática através de um aumento de capital da mutualista para reforçar os rácios do banco. O círculo fechou-se aí.
Ao dizer que aquele crédito “não está relacionado com a subscrição dos referidos títulos”, Luís Almeida contradiz-se no que já tinha informado, anteriormente, aos supervisores. Apesar de o Banco de Portugal estar na posse dessas duas cartas contraditórias, enviadas em 2014, e ter dados bastantes para julgar a intervenção do banqueiro, autorizou o registo, em 2015, dos dois administradores desse banco: António Pontes (o CEO) pôde assumir funções como administrador não-executivo na Montepio Holding e Luís Almeida como administrador-executivo na caixa económica (hoje Banco Montepio), introduzido na administração de Félix Morgado.
Nessa altura, era Carlos Albuquerque diretor do departamento de Supervisão do Banco de Portugal. Porém, em 2018, quando Luís Almeida tentou ir para a Montepio Crédito, já era Luís Costa Ferreira o diretor de supervisão, que não lhe deu o registo para essas funções. Daí que Luís Almeida tenha ficado disponível para se juntar à lista com que Tomás Correia venceu, pela primeira vez sem maioria absoluta, as eleições para a Associação Mutualista, em dezembro de 2018.
E também no que dizia respeito a Eurico Brito o Banco de Portugal avisava que “os documentos disponibilizados pela CEMG [Caixa Económica Montepio Geral] não são considerados suficientes para comprovar, de forma inequívoca, que o crédito foi efetivamente liquidado sem recurso a novo financiamento por uma entidade do Grupo CEMG“. Luís Almeida tinha informado os serviços do banco em março de 2015 que os dois maiores créditos estavam reembolsados mas o Banco de Portugal vinha aqui, em janeiro de 2016, pôr essa informação em causa – e foi esse financiamento a empresas relacionados que foi comprovado pela auditoria interna do Montepio.
Perante tudo isto, a ASF deu a Luís Almeida a idoneidade para administrador – embora, sabe o Observador, tenha sinalizado que não a daria para presidente. Contactada pelo Observador, a ASF esclareceu que, “na avaliação da idoneidade das pessoas sujeitas a registo na ASF, nos termos do artigo 68.º do regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, são tidas em consideração, em função da sua gravidade, entre outros: a acusação ou condenação por ilícitos de mera ordenação social e ilícitos penais; ações cíveis; sanções administrativas, laborais, disciplinares, deontológicas ou de conduta profissional; processos de recuperação, insolvência ou liquidação“.
A ASF foi questionada sobre a interação com o Banco de Portugal num caso como este. “A ASF, nos processos de avaliação da idoneidade, consulta as demais autoridades de supervisão financeira sempre que as pessoas objeto de registo estejam registadas junto daquelas autoridades ou quando tenha conhecimento que essas autoridade possa ter informações relevantes. Existem procedimentos de colaboração estabelecidos com o Banco de Portugal e com a CMVM que permitem avaliar de forma criteriosa e rigorosa a informação partilhada”, garantiu fonte oficial, falando de forma genérica.
O Observador contactou diretamente Luís Almeida para pedir esclarecimentos sobre estas operações, mas o gestor redirecionou o pedido para a direção de comunicação da Associação Mutualista Montepio Geral, embora boa parte das questões enviadas não digam respeito, diretamente, à associação mutualista, mas sim à Caixa Económica Montepio Geral.
Esta foi a resposta: “No que se refere às três questões acima, por razões de deontologia e sigilo profissional, não podem ser prestados esclarecimentos/partilhadas informações respeitantes a clientes, operações ou instituições“. A fonte oficial da mutualista garante que Luís Almeida “desconhece a existência de qualquer processo em curso no Ministério Público ou no Banco de Portugal que envolva o Senhor Dr. Luís Almeida”.
Mas a direção de comunicação da mutualista, especificamente Rita Pinho Branco, salientava que a recente aprovação pela ASF para administrador da mutualista mostra que não há razão para questionar a idoneidade de Luís Almeida. “Importa recordar que o sancionamento da idoneidade do Senhor Dr. Luís Almeida foi assegurado recentemente pela supervisão, confirmando a adequação do comportamento do avaliado“, indicou-se.
Luís Almeida gosta de ser tratado por “senhor doutor”, como se percebe pelas respostas da direção de comunicação da mutualista mas, na realidade, não tem formação universitária. A biografia que consta no site do Banco Montepio, relativa ao tempo em que foi membro da comissão executiva, atribui-lhe apenas três programas de formação para executivos, na Universidade Católica – mas nenhuma licenciatura. Essa informação está na página 459 do documento disponível nesta ligação.
Fonte oficial da mutualista confirma que Luís Almeida não é licenciado. “O grau académico não é de licenciatura. Ainda assim, a prática conduz à utilização do ‘Dr.’ e sustenta-se na formação especializada realizada por Luís Almeida em estabelecimentos de ensino superior“, respondeu fonte da mutualista.
Dois dos programas da Católica frequentados por Luís Almeida – pelo menos até essa altura – já foram extintos: o PAGEB, ou programa avançado de gestão bancária, e o GOAR, sigla para gerir por objetivos e avaliar resultados. O terceiro programa que Luís Almeida ostenta no seu currículo é o PEN, um programa de especialização em negociação, que ainda existe. Pelo que foi explicado ao Observador, estes não são programas que careçam de estudos superiores – há um processo de admissão mas, aí, a experiência profissional também pode servir para poder participar.
E experiência profissional não falta a Luís Almeida. Entrou para o Montepio nos anos 90, para as bases, mas subiu rapidamente até ao momento em que saiu para África, na viragem do século, voltando em 2008 para ser diretor comercial com enfoque na região de Lisboa. Nesse intervalo, ascendeu a figura-chave no Banco da África Ocidental (BAO), maior banco da Guiné-Bissau, onde em 2002 assumiu o cargo de diretor-geral (e também, a partir de 2006, como administrador, função que manteve até 2013, segundo a página de LinkedIn do próprio).
Terá sido nesse Banco da África Ocidental que Luís Almeida se cruzou com Diogo Lacerda Machado, com quem ganhou uma proximidade da qual se gabava frequentemente aos seus colegas em Lisboa, uma vez regressado, disseram fontes ao Observador. Diogo Lacerda Machado é, desde março de 2008, administrador da empresa Geocapital, uma empresa ligada ao magnata macaense dos casinos Stanley Ho e ao financeiro português Jorge Ferro Ribeiro. A Geocapital foi criada em 2006 e investe em vários setores produtivos em países de língua oficial portuguesa, desde a banca até aos biocombustíveis.
E foi essa empresa, a Geocapital, que em 2007 assumiu o controlo do BAO, comprando os 15% que o Montepio Geral tinha na instituição onde Luís Almeida era administrador – e ao qual continuou ligado até 2013. O advogado, conhecido por ser amigo muito próximo do primeiro-ministro, tornou-se em outubro de 2012 presidente do conselho de administração do BAO. Questionado pelo Observador sobre a relação com Diogo Lacerda Machado, Luís Almeida considerou esta uma questão “do foro pessoal, pelo que optou pela reserva”.
Quando, em 2008, Luís Almeida regressa a Lisboa, manteve mais alguns anos a ligação ao BAO – continuando nos anos seguintes a usar um cartão de crédito à conta do Banco da África Ocidental (BAO), para despesas pessoais, disseram fontes ao Observador. Fontes que revelam que Luís Almeida é conhecido, há vários anos, como “Mister Montblanc”, pelo facto de ostentar vários artigos dessa marca de produtos de luxo. Luís Almeida também é conhecido por usar vários carros topo de gama, desde Audi A5, Mercedes GLC Coupé e Tesla Model X.
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