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Vivemos no Brasil um momento onde muita gente ainda acha que é um exagero parar um campeonato de futebol em andamento por causa de potenciais problemas com o Coronavírus. Na Itália, mesmo em estágios bem mais avançados do contágio, o pensamento ainda era o mesmo. Talvez pela falta de outro exemplo como ela própria se tornou. O Ministro do Esporte, Vincenzo Spadafora, declarou nesta sexta-feira que a liga deveria ter parado antes, como o governo recomendou. Uma forma indireta de dizer: eu avisei. E ele não está errado. Os dirigentes italianos bateram cabeça muito tempo, ignoraram os sinais e empurraram com a barriga até que a situação se tornasse insustentável.
O futebol italiano foi completamente paralisado depois do fim de semana passado, quando alguns jogos aconteceram, entre eles Juventus x Internazionale com portões fechados em Turim. Antes disso, porém, o futebol italiano viveu um diz que me diz, idas e vindas e falta de comando. Primeiro, adiaram os jogos quando o surto atingiu fortemente a Lombardia. Mas outros jogos continuaram acontecendo. Ignoraram os sinais de outros países que viviam o problema. Achavam que era só uma questão de tempo.
Mais jogos foram sendo adiados e, aos poucos, a situação foi se tornando insustentável diante do quadro emergencial que o país vivia. Os clubes puxavam o cabo de guerra para evitar jogos com portões fechados quando já se sabia que isso era inevitável. Os portões fechados vieram, mas não por muito tempo. O governo pressionava para que a liga fosse paralisada em uma situação que já era caótica. O tema foi assunto de uma entrevista do Ministro do Esporte no programa “Live Life”, na Rai Uno.
“Na Itália, muitas federações decidiram parar de forma autônoma. O futebol é um pouco mundo em si mesmo: houve um momento que a Serie A não queria assumir a responsabilidade como deveria ter feito, mas não queria assumi-la dizendo que dependia do governo”, afirmou Spadafora no programa. “Nós fizemos isso como governo para proteger interesses. Agora não há mais qualquer controvérsia porque alguns jogadores têm o vírus”.
“Nós preferíamos ter parado a liga antes, mas antes tarde do que nunca. Muitos clubes hoje estão fazendo doações para a emergência e nós estamos felizes, são gestos de solidariedade que nós apreciamos”, continuou o ministro. “Agora nós podemos parar com a controvérsia, porque o mundo do esporte precisa liderar pelo exemplo”.
Quando perguntado sobre o retorno dos campeonatos esportivos, Spadafora deu sinais esperançosos, mas ainda sem estabelecer uma data. “Os médicos nos dizem que no final do mês ou no início de abril devemos ver os primeiros resultados dessas ações drásticas que exigem sacrifícios de todos os italianos”, declarou o ministro. “Se for esse o caso, como todos esperamos, e em duas ou três semanas começarmos a ver esses resultados, significa que iremos para uma fase de melhoria dia após dia. Isso significa que, nas próximas semanas, todos poderemos retomar uma vida normal”.
A Itália foi o primeiro país a paralisar a sua liga, mas a decisão, como mostramos acima, até demorou muito para ser tomada. O professor e médico infectologista Roberto Burioni deixou claro que a situação era clara em relação aos riscos e que iam além do público – e por isso os jogos com portões fechados não eram suficientes.
“A situação era clara para todos verem: era impensável jogar futebol com os torcedores e parar a Serie A era sacrossanto. Também é perigoso jogar com portões fechados, como nós vimos, porque aqueles que jogam podem ficar infectados também. É um vírus muito fácil de transmitir”, disse o médico.
“Nós iremos voltar a aproveitar o futebol e nossas reuniões, mas neste momento, o destino desta epidemia está nas nossas mãos. Mesmo que eu tenha que parar de assistir à minha amada Lazio, então, sem sacudir a bandeira, sem zoar nossos primos da Roma: o momento é muito sério, o inimigo é comum e é forte”, descreveu ainda o infectologista.
A Serie A já tem sete jogadores infectados com COVID-19 – e contando. O primeiro que surgiu, anunciado oficialmente, foi o zagueiro da Juventus, Daniele Rugani. Depois, o atacante Manolo Gabbiadini, da Sampdoria. Nesta sexta-feira, também foram confirmados os diagnósticos de Omar Colley, Albin Ekdal, Antonino La Gumina e Morten Thorsby, todos da Sampdoria. Mais tarde, o atacante Dusan Vlahovic, da Fiorentina, foi o sétimo confirmado com o vírus.
Burioni espera que o diagnóstico de jogadores de futebol ajude a fazer as pessoas perceberem a gravidade da situação. “Os diagnósticos são um passo à frente em perceber o problema”, disse o médico, em entrevista à Gazzetta dello Sport. “Muitos estão vivendo a ilusão que atletas bem treinados e constantemente monitorados poderiam de alguma forma resistir ao vírus, mas qualquer um pode ser infectado. E eu quero dizer qualquer um. Pessoas jovens, crianças, os idosos e mesmo jogadores de futebol no auge das suas carreiras e da sua forma física”.
“Claramente, as consequências para os idosos e aqueles que já estão debilitados por outras condições de saúde podem ser diferentes. Eu torço e espero que Rugani e Gabbiadini se recuperem. O problema é que eles podem ter contaminado outros”, continuou o infectologista.
A Juventus colocou 121 pessoas em isolamento depois de terem contato com Rugani, enquanto a Sampdoria, Verona e Inter estão tomando os mesmos procedimentos. “Depois do contato, pode haver um período de incubação que normalmente dura de cinco a oito dias, mas pode às vezes chegar a 14 dias, durante os quais a pessoa pode ficar doente e transmitir o vírus. Qualquer um que esteja contaminado hoje não se sentirá doente amanhã, mas em algum tempo, então é por isso que a Juventus tem que ficar em quarentena”, explicou o médico.
“Rugani apenas pegou a infeção e leva tempo, mas todos do presidente Andrea Agnelli ao companheiro de time Paulo Dybala devem ser rigorosamente isolados. Eles têm que checar a temperatura algumas vezes por dia, verificar se há os mais leves sintomas, acima de tudo problemas respiratórios. Apenas nesse ponto eles deveriam fazer um exame para ver se o vírus está presente na garganta”, continuou o doutor Burioni.
Na Itália, houve críticas que Rugani deveria ter feito o exame antes do jogo contra a Inter, mas o médico disse que o clube de Turim cumpriu o protocolo corretamente. “Sem os sintomas, não há real necessidade, você apenas tem que esperar até o fim do período de quarentena para voltar à vida em público. Rugani provavelmente teve uma febre leve, porque o vírus pode ter alguns sintomas leves e por isso é perigoso, porque a pessoa que se sente bem tem o indesejado poder de infectar os outros”.
“Se ele foi treinar com esse vírus, ele pode ter contaminado os seus companheiros de time, o técnico, os funcionários ou qualquer um com quem ele teve contato. O processo de quarentena depois de um exame positivo é de ao menos duas semanas, mas a infecção é diferente de pessoa para pessoa”, explicou ainda o médico.
Na Itália, o número de casos chega a 17.660, com 1.266 mortes confirmadas. É o segundo país com mais infectados até o momento. No mundo, o número de casos é de 144.863, com 5.398 mortes até o momento da escrita deste texto, segundo dados da Johns Hopkins University.
Bergamo fica na região da Lombardia, uma das mais afetadas pela epidemia de Coronavírus. Um dos jogadores que mais ganhou destaque na Itália nos últimos dois anos, o capitão da Atalanta Papu Gómez, deu entrevista contando um pouco da rotina e como tem sido estranho ver a cidade vazia.
O país todo está em quarentena. Inicialmente, foi apenas o norte da Itália que ficou em quarentena, mas o agravamento da situação fez com que o governo estendesse a todo o país. Apenas os supermercados continuam abertos. “Não há ninguém nas ruas. Os torcedores devem respeitar as regras”, afirmou Gómez em entrevista à Radio Club 94,7.
“As únicas coisas que ainda estão abertas são os supermercados, mas você pode pedir as coisas pela internet e eles entregam tudo à sua casa. Não há ninguém na rua, é como estar em um filme de terror. Eu não estou exagerando”, continuou o jogador.
“Nós constantemente recebemos notícias da Argentina. Seria bom se as pessoas começassem a tomar as precauções necessárias. Por enquanto, eles abordaram uma situação muito complicada de forma muito leve. Em Bergamo há 400 casos, nós sabemos que o amor dos nossos torcedores é enorme, mas nós temos a necessidade de respeitar as regras e permanecer nas nossas casas”.
Uma das possibilidades que se especulou para o Campeonato Italiano é o uso de um playoff, um mata-mata, de forma a conseguir terminar a temporada. Só que essa possibilidade foi rejeitada pelos clubes.
A liga teve uma assembleia na noite desta sexta-feira, em uma videoconferência, para resolver a questão de como a temporada será finalizar uma vez que a pior fase da epidemia do Coronavírus passar. Segundo o jornalista Nicolo Schira, da Gazzetta dello Sport, os clubes rejeitaram a proposta de usar mata-matas no topo da tabela e também no rebaixamento.
A ideia é jogar de três em três dias quando a temporada for retomada e usar o mês inteiro de junho para fazer a temporada chegar ao final. A ideia de um mata-mata para decidir ao serie A veio do presidente da federação italiana de futebol (FIGC), Gabriele Gravina.
Resta só saber quando a temporada poderá ser retomada. Os mais otimistas acreditam que já no começo de abril será possível voltar a ter jogos. As autoridades, porém, trabalham com prazos bem mais longos para a normalização, que vão de três a quatro meses. A Itália, por ter adotado medidas restritivas sérias, pode conseguir começar a colher resultados mais cedo, depois de ter sido um dos países que mais viu a situação se agravar rapidamente.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou nesta sexta-feira que o epicentro do Coronavírus passou a ser a Europa, e não mais a China, onde a situação está controlada, ainda que em um estado de alerta e constante atenção.