Ausente em Madrid na COP25 (a conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas), Joacine Katar Moreira faltou esta terça-feira ao terceiro debate quinzenal da legislatura – e último deste ano.
Por essa razão, não se conheceu nenhuma reação pública da deputada à decisão da Assembleia do Livre (órgão máximo entre congressos, na verdade o “Parlamento” do partido) de não a sancionar pelo conflito com a direção executiva do partido – mas censurando-lhe no entanto as declarações “gravosas para a honra e dignidade do partido” que fez.
O DN recapitula um folhetim cheio de avanços e recuos – e potencialmente danoso, a prazo, para o crescimento eleitoral do Livre, um partido fundado em 2014 sobretudo à base do impulso do historiador Rui Tavares, um independente de esquerda antigo compagnon de route do Bloco de Esquerda (partido pelo qual foi eleito eurodeputado em 2009 e de que se afastaria em 2011, mantendo no entanto o mandato em Bruxelas até ao fim).
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6 de outubro. Um membro eleito
à segunda tentativa, o Livre consegue obter um mandato na Assembleia da República (em 2015 tentara mas falhara). A eleita é Joacine Katar Moreira, historiadora ativista das causas anti racistas nascida na Guiné Bissau em julho de 1982. Joacine é eleita pelo cÃrculo de Lisboa, onde o Livre obtém 22807 votos (2,07%). A nÃvel nacional o partido obtém 57,1 mil votos (1,09%).
25 de outubro. O esquiado da saia
O Parlamento inicia funções. Rafael Esteves Martins. assessor da deputada, faz sensação por ter ido para o Parlamento vestido de saias. Joacine terá recusado as sugestões da direção do Livre para lhe constituírem a assessoria no Parlamento, escolhendo ela própria quem queria a acompanhá-la. Rafael Esteves Martins faz se assessor de imprensa.
Joacine e o ajudado Rafael Esteves Martins, no primeiro dia da Assembléia.
© Miguel A. Lopes/Lusa
30 de outubro. Gagueira extremo
Joacine Katar Moreira intervém pela primeira vez no plenário, no primeiro de dois dias de discussão do programa de Governo. A sua extrema gaguez torna a sua intervenção praticamente ininteligível. A deputada pede uma revisão da Lei da Nacionalidade para que sejam considerados portugueses todas as pessoas nascidas em Portugal, mesmo com os pais sendo estrangeiros.
22 de novembro. O maldito voto
No plenário da Assembleia da República delibera-se sobre votos apresentados pelos vários partidos. Um deles, do PCP – que acabaria por ser aprovado -, condena-se o governo de Israel pelos ataques a Gaza. Estranhamente, Joacine Katar Moreira abstém-se. Apoiantes do Livre começam de imediato a manifestar nas redes sociais perplexidade com o sentido de voto da deputada do partido.
23 de novembro (I). Direção demarca-se
A direção executiva do Livre (“Grupo de Contacto”) emite um comunicado demarcando-se da abstenção de Joacine no voto do PCP. Afirma-se mesmo “preocupada” com a decisão da deputada,”em contra-senso com o programa eleitoral do LIVRE e com o historial de posicionamento do partido nestas matérias”.
23 de noviembre (II). Joacine responde
No mesmo dia do comunicado do Grupo de Contacto, a deputada responde, com outro comunicado, onde diz: “Votei contra a direção de mim mesma”. Segundo explica, a abstenção ocorreu porque a direção do partido não lhe respondeu durante “três dias de contacto infrutífero” ao pedido de orientação de voto. O Grupo de Contacto responde com uma declaração de um seu membro, Pedro Nunes Rodrigues, que assegura que Joacine nunca pediu orientação de voto: “A dificuldade de comunicação passa também por ela, para o gabinete dela uma vez que nunca se dirigiu aos restantes membros da direção a pedir uma ajuda naquele voto específico.”
24 de novembro (I). Reclamação disciplinar
Queixa disciplinar. A “Assembleia” do Livre reúne. Emite um comunicado no fim onde afirma que “apoiantes e eleitores olham para as declarações dos últimos dias com perplexidade”. “Assumimos as dificuldades de comunicação e queremos garantir que estamos a trabalhar em conjunto para as resolver, reafirmando que o partido continua unido e focado em torno do seu programa polÃtico e eleitoral.” O que o comunicado não diz é que a Assembleia pediu a intervenção do Conselho de Jurisdição do partido para avaliar se não haveria lugar a sanções.
24 de novembro (II). “Abandonada”
Joacine volta a disparar sobre a direção do partido. “Fui eu que ganhei as eleições, sozinha, e a direção quer ensinar-me a ser política”, afirma, ao Observador.
26 de novembro (I). “Isso é um golpe”
Escalada no conflito com uma declaração da deputada ao site Notícias ao Minuto onde afirma: “Isto trata-se de um autêntico golpe e a minha resposta é esta: não sou descartável e exijo respeito”. “Nunca imaginei que um mês depois das eleições – não é um ano, é um mês – eu ia estar a ser avaliada e colocada numa situação destas pelos meus camaradas”, afirma ainda. Nas mesmas declarações, a deputada afirma que, afinal, os problemas com a direção do Livre já vinham de algum tempo: “Senti-me abandonada pela direção de campanha que não tinha uma estratégia para que eu ganhasse. Não houve esse investimento, não houve esta confiança de que havia alguma hipótese de ser eleita.”
26 de novembro (II). Falha no agendamento
O DN e o Público noticiam que a deputada do Livre falhou no Parlamento o agendamento do projeto do partido de revisão da Lei da Nacionalidade – que tinha sido, recorde-se, o tema principal da primeira intervenção da parlamentar no hemiciclo. Só pela intervenção do presidente da AR, Ferro Rodrigues, é que esse agendamento é permitido, junto o articulado do Livre a outros apresentados pelo BE, PCP e PAN. A discussão será esta quarta-feira.
27 de novembro. A escolta GNR
Mais um caso em torno da deputada. Para poder percorrer os corredores do Parlamento sem ser incomoda pelos jornalistas, Joacine Katar Moreira pede escolta à GNR através do seu assessor Rafael Esteves Martins. “Larguem o osso”, pede o assessor aos jornalistas, via Tweeter. Tanto a deputada como o assessor apagaram entretanto as suas contas nesta rede social.
28 de novembro. JuÃzes de S Fernandes
Um comunicado do Conselho de Jurisdição do Livre informa que o caso foi remetido para a Comissão de Ética e Arbitragem (CEA) do partido, sendo o relator o advogado Ricardo Sá Fernandes. A CEA poderá “propor atuação disciplinar, se for caso disso”.
8 a 10 de dezembro. “Não existe conflito nenhum”
A Assembleia do Livre começa a analisar um parecer elaborado pela CEA. O conteúdo deste parecer não é divulgado – mas sabe-se que não propõe sanções disciplinares.O CEA diz também que não lhe compete avaliar se os problemas entre a deputada e a direção executiva do Livre poderão, ou não, conduzir uma perda de confiança política do partido na sua deputada. À entrada da reunião, Joacine Katar Moreira surpreende dizendo que afinal “não existe conflito absolutamente nenhum”. Há sim “uma relação de diálogo e entendimento e é sobre isso que iremos falar”. A reunião prolonga-se durante dois dias. Esta terça-feira saiu o comunicado da Assembleia: não há sanções disciplinares, serão feitos esforços para melhorar a articulação do partido com o seu gabinete parlamentar. Mas não deixa de censurar a deputada por não ter existido da parte desta “um pedido de desculpas” face a declarações “gravosas para a honra e dignidade do partido”.
Saber se o conflito está mesmo sanado ou não é, por ora, um incógnita. Nesta quarta-feira Joacine Katar Moreira regressará à atividade parlamentar debatendo no hemiciclo o processo de revisão da Lei da Nacionalidade.
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