© Global Do Grupo De Mídia De 2015
Quando Manny Almeida entrou no recém-criado grupo de imagens eletrónicas da Fujifilm, no início dos anos noventa, a ideia de que os rolos das câmaras fotográficas iam ser substituídos por produtos digitais era impensável. “O filme era um produto e um modelo de negócio incrivelmente poderoso”, conta o português radicado nos Estados Unidos. “Como consumidor, a pessoa comprava um rolo por 4 ou 5 dólares, tirava fotografias e voltava à loja e pagava 10 ou 11 dólares só para ver o que ia ser revelado”, lembra. “Não há nenhum outro produto assim. Imagine comprar uma torradeira e depois precisar de voltar à loja para o ajudarem a torrar o pão.”
Quase quarenta anos depois de entrar na Fujifilm como responsável de vendas, Almeida é agora presidente da divisão de Imagem da empresa na América do Norte. Comanda um negócio multimilionário que sobreviveu à revolução da fotografia digital e tem agora linhas tão diversificadas que é quase uma empresa distinta. No meio delas, ironicamente, está a área das câmaras e fotografias instantâneas Instax. Porque a história se repete e o ressurgimento do interesse por fotografias irrepetíveis em papel é uma tendência em todo o mundo.
“Tem ressoado entre os Millennials e Geração Z porque querem algo autêntico, único, procuram coisas feitas à mão para oferecer como prenda. É uma recordação verdadeira daquele momento”, explica o responsável. No ano passado, a Fujifilm vendeu 10,2 milhões destas câmaras e tentou diversificar ainda mais o seu negócio, no contexto de um mercado gravemente atingido pela popularidade dos smartphones. Segundo a Camera & Imaging Products Association, as vendas mundiais de câmaras digitais caíram a pique na última década, de 122 milhões em 2010 para 20 milhões no ano passado e apenas 7 milhões no primeiro semestre de 2019. É uma quebra de 84% atribuível quase em exclusivo ao advento do iPhone e dos smartphones com câmara que se seguiram.
A Instax, embora tenha vários formatos que incluem um modelo híbrido, apela hoje a um sentimento de nostalgia que atrai as gerações criadas online. Manny Almeida sublinha que “imprimir a foto do smartphone não tem a mesma espontaneidade de uma foto instantânea” e é por isso que está tão em voga junto de adolescentes e jovens adultos. “Uma adolescente de 16 anos que vai a uma festa tira fotos e dá-as logo aos amigos”, exemplifica. Esta gratificação instantânea tem um poder emocional tão forte que a Fujifilm não vê a Instax como sendo uma câmara ou um dispositivo fotográfico. “Vê-mo-la como uma coisa cool e divertida que produz comunicação social visual. É uma recordação única, que não pode ser duplicada.”
Assim se explica a ubiquidade de câmaras Instax em casamentos e eventos sociais nos últimos anos. “Tornou-se um produto quase de culto, com um crescimento explosivo”, analisa Almeida, referindo que a certa altura as vendas cresciam 60% ao ano. Esse ritmo abrandou e não é provável que regresse, a avaliar pelos resultados trimestrais da Fujifilm neste ano fiscal. No mais recente, divulgado em novembro, a divisão de soluções de Imagem reportou uma quebra de 12,4% nas receitas e uma derrapagem de 53% nos lucros operacionais. A redução foi justificada com menos vendas de papel fotográfico e um ajustamento dos stocks de câmaras instantâneas nos retalhistas norte-americanos, mas a empresa adotou um tom otimista. “Vamos melhorar as vendas através da oferta de produtos com vantagens competitivas utilizando as nossas tecnologias únicas e estabelecendo promoções eficientes para atingir o desempenho desejado”, disse a companhia.
A nova Instax mini LiPlay, lançada em junho, e a impressora Instax mini Link, lançada em outubro, são as coqueluches em que a Fujifilm aposta agora para aumentar as vendas nos próximos trimestres. Porque a marca Instax, uma autêntica galinha dos ovos de ouro desde que as fotografias instantâneas voltaram a estar na moda, continua a ser forte.
“A mini link vai ter um bom desempenho, tem o preço certo”, vaticina Manny Almeida. “Pensamos que a Instax vai continuar a prosperar por muitos anos.”
A câmara é muito popular na faixa etária dos 12 aos 25 e tende a atrair mais mulheres que homens, mas uma das suas vantagens é o alcance demográfico. “As nossas pesquisas mostram que crianças dos 8 aos 12 anos são utilizadoras ávidas de Instax”, refere o responsável, contrapondo com o que acontecia antigamente, em que ninguém dava câmaras analógicas a crianças para tirarem fotos.
Isto também explica porque é que as câmaras descartáveis Quicksnap, uma das tecnologias mais antigas da Fujifilm, continuam a ser vendidas. “Há um interesse tremendo neste tipo de produtos”, refere Almeida, oferecendo uma explicação adicional ao elemento nostálgico: a aplicação prática. “Se tem uma criança que vai para um campo de férias pela primeira vez, quer dar-lhe uma câmara cara?”, pergunta. Acredite-se ou não, a Fujifilm ainda vende milhões de câmaras descartáveis todos os anos.
No entanto, o negócio que Manny Almeida lidera hoje é muito diferente daquele que encontrou quando pisou pela primeira vez na Fujifilm, em 1980. A sua família tinha emigrado de Lisboa para os Estados Unidos 13 anos antes, em busca de melhores oportunidades económicas, e o então jovem Almeida perseguia a sua paixão pela fotografia numa das maiores empresas do mundo deste mercado. Tinha 23 anos.
“Interessei-me por fotografia quando estava no liceu”, conta. “É a única disciplina verdadeiramente universal, que não tem de ser traduzida. É 100% visual.” Depois de se formar no Instituto de Tecnologia Benjamin Franklin, começou por ser vendedor da Fujifilm e em 1984 já era número um nos Estados Unidos. Foi gestor de produto para câmaras de 35 mm e chegou a gestor de marketing para rolos de filme e câmaras descartáveis no início dos anos noventa, “uma altura de tremendo crescimento.”
Nessa altura, envolveu-se no desenvolvimento do mercado para as câmaras digitais, que ainda eram produtos mais ou menos rudimentares. A Fujifilm foi a primeira empresa a lançar uma câmara totalmente digital, a FUJIX DS-1P, que tinha capacidade para armazenar dez fotografias num cartão de memória e era revolucionária, mas não parecia capaz de destronar o analógico.
“Pensávamos que ia crescer, que se ia tornar melhor, mas inicialmente achámos que era um produto industrial para aplicações comerciais”, lembra Almeida. A imagem gerada eletronicamente era um produto lateral ao qual não atribuíam capacidade de emular a “ligação emocional” que os consumidores tinham com as câmaras e rolos fotográficos tradicionais. “Ninguém antecipou que as câmaras digitais iam substituir as analógicas”, admite. Manny Almeida foi dos primeiros a perceber quando a maré começou a mudar. Tinha muitos anos de casa e demasiada experiência no mercado fotográfico para ignorar os sinais.
Era o final dos anos noventa. “Nós que estávamos envolvidos começámos a perceber que isto estava a acontecer a um ritmo tão grande que ia sobrepor-se ao filme”, conta.
Do outro lado da barricada, a apenas algumas portas de distância do escritório de Manny Almeida, a rapaziada do filme achava que a qualidade não era boa. “Eu avisei que tínhamos de ter cuidado porque ia assumir o controlo”, diz. Responderam-lhe que não, nem pensar: “isso nunca vai acontecer.”
Mas aconteceu e a Fujifilm conseguiu investir a tempo, considera. “Hoje somos uma empresa muito diferente, altamente diversificada, por causa dessa estratégia de perceber que havia uma nova fundação para a fotografia.”
Se havia coisa que as gigantes de fotografia não esperavam é que o negócio digital que substituiu o analógico fosse desmantelado pelos smartphones. Manny Almeida sublinha que a diversificação tem permitido à Fujifilm – e, por analogia, às outras marcas – sobreviver a esta alteração que ocorreu em tempo recorde.
“O mercado está a mudar imenso e há grandes dinâmicas dentro dele”, reconhece. “O nosso negócio é muito diversificado. Há vinte anos tinha uma única dimensão, era vender filme, processar o filme e fornecer papel para as impressões. Hoje está tudo muito diferente.”
Ainda que exista um renascer do interesse pelas fotografias em papel, Almeida frisa que já não é o mesmo número de pessoas que quer o mesmo número de impressões em relação às décadas anteriores. “As pessoas hoje tiram muito mais fotos do que alguma vez tiraram”, indica, “mas já não imprimem tantas fotografias, porque antes eram obrigadas a fazê-lo e agora têm escolha.” O que os consumidores estão a fazer é a optar por produtos diferentes, em vez do formato 10×15. “E há centenas de opções”, diz. Pode ser uma placa para a parede ou secretária, uma impressão em metal, tecido ou acrílico, um porta-chaves, uma almofada, uma capa para telemóvel. “Hoje o negócio 10×15 é muito mais pequeno mas os nossos laboratórios produzem mais de 400 produtos diferentes, não apenas esse”, explica.
Frente a um mercado difícil, já que o fato de que os outros fabricantes japoneses do setor também tiveram quedas no último trimestre, Almeida fala sobre a diversificação de produtos e serviços.
“Parte do nosso planeamento estratégico é pensar em como facilitar as coisas para o consumidor”, diz. Uma vez que as pessoas têm milhares de fotografias nos seus smartphones, a marca está a testar serviços que tornem mais fácil imprimi-las e transformá-las em produtos distintos, como cartões de Natal, sem terem de usar as máquinas dos quiosques fotográficos que normalmente são usados. Por exemplo, permitir que o utilizador faça as montagens e seleção em casa, carregue as imagens num site e receba um código que depois poderá usar no quiosque para receber os produtos. “Já estamos a testar no mercado americano e achamos que vai simplificar dramaticamente a capacidade dos consumidores de fazerem impressões a partir dos smartphones”, assegura Almeida. E exemplifica: imagine que, no Dia dos Namorados, em vez de comprar um cartão na bomba de gasolina pode fazer um personalizado no smartphone e parar num quiosque a caminho de casa para o levantar.
“Para nós, anda tudo à volta da fotografia. Estamos firmemente entrincheirados nesta cultura” resume. “Pensamos que é importante, enriquece a vida das pessoas e há tantos aspetos diferentes nela hoje em dia.” A Almeida, a Fujifilm trouxe mais que uma longa carreira, mesmo com uma pausa de seis anos em que foi vice presidente da Rimage. O interesse e admiração dos japoneses por Portugal deu-lhe uma visão renovada da sua herança cultural, numa altura em que Lisboa não estava na moda e as oportunidades no país eram escassas.
“Comecei a perceber que tinha vindo desta cultura vibrante da qual podia estar muito orgulhoso”, revela, contando que a filha mais nova, que tem cidadania portuguesa, casou em Portugal no ano passado. “Os japoneses ajudaram-me a recuperar o orgulho na minha cultura.”
Ana Rita Guerra na Califórnia